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domingo, 15 de setembro de 2019

Palavra vociferada contra si mesmo

Seu Marcolino descompassava cof! cof! cof! numa tosse intermediária a um bocejo prolongado, com um chiado no centro do tórax. "Você precisa de ir ao médico!", vociferava mil denares de vezes, Dª Martinha. A papagaia no poleiro já decorara o refrão: "ir ao médico! ir ao médico! ir ao médico!". Dotes femininos. De tanto ouvir, não é que o homem foi? Foi, mas por lá ficou. Internação imediata. Operação urgente. Coração de um motoqueiro! Um corte de trinta centímetros ao longo do peito, mais um transversal. Visitas marcadas no ponteiro do relógio. Dª Martinha falava todo dia no pastor: "o homem ora como ninguém! Marcolino, abra o teu coração pro homem entrar!". Ele só respondia soprando: "Já abriram meu peito. O coração não é meu. Tanto prova que não gosto de goiabada!". Pra não ouvir mais sermões, Marcô cedeu. Fez um sinal suave com a mão. No outro dia, Pastor Isaías baixou por lá, de terno, gravata e uma bíblia debaixo do sovaco molhado a solavanco de condução. A reza foi funcional, pois Marcô cochilou debaixo de seus antibióticos. Martinha só balançava a cabeça e subia nos calcanhares. Terminada a ladainha evangélica, Pastor Isaías começou a olhar, com um semblante estranho por todo o quarto. Observou demoradamente os armários. A cama do acompanhante e uns chinelos embaixo. A porta semiaberta do banheiro e um odor de hipoclorito de sódio vindo do vaso. Marcô assustou, acordando do sonho e perguntou: "O que o senhor espia tanto aqui?" "Eu tive uma revelação meu caro! Eu vi um caixão saindo deste quarto!" "Deixa disto, seu pastô! Daqui vai sair um homem a cem quilômetros por hora, de coração novo!" "Mas eu vi um caixão, e vi também um par de castiçais enormes, com velas cheirando a defunto!" "Pára com isto, Pastô, tô fora desta tua maldição!" "Vejo também flores brancas de velório, com muita gente chorando!" "Sai desta, meu! Vai blefar em outro canto!" O pastor deu uns passos à frente e abaixou para continuar falando baixinho no ouvido direito de Marcô: "a morte tá chegando!" Marcô com passagem comprada de vinda e ida a um sonho montado num cavalo de batalha; apanhando um litro de água benta cheinho sobre a mesinha, aparentando uma lança de prata, arrematou-o na cabeça do Pastor! Marcô dormiu de novo. Pastor Isaías caiu no chão. Martinha a mil foi buscar assistência e socorro. Duas horas depois o corpo do pastor estava no necrotério se preparando para o enterro no dia seguinte. Revelação realizada na ponta da língua e no fundo da garrafa!

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