Poemas e contos contribuem para a recuperação de nosso ser, viajando pelos nossos mitos e arquétipos, pelas lendas, pelas aventuras de nossa essência através das dunas do tempo.
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domingo, 8 de setembro de 2019
Resposta a um enigma
Seu nome verdadeiro era Fortunato, mas por certidão de aparência registrada no cartório da percepção popular: Carlitos. Sem tirar ou colocar mais nada. A cara de um, as atrapalhadas do outro. Não tanto como o outro, mas sentia-se quase realizado, no seu mundinho pé de serra. Apesar da alcunha Carlitos, de um dos mais respeitáveis cômicos ou palhaços de todas as eras, uma angústia o atormentava. Ah! Você não sabe a ninhada de andanças que está debaixo deste "quase". Filhos criados, embora malcriados, cafezais esverdeando colinas, paióis engordando ratos, galinhas botando pingue-pongue de ovos no vento de tanto sobrar. Arreios novinhos em folha, somados a conjuntos de esporas, estribos e barrigueiras, com chicotes cravados de prata, tudo em dia. Brilhava pedacinhos de ouro em seus dentes! Porém, aquele "quase" era o todo vazio de sua vida, tal fresta em veneziana por onde o vento noturno incomoda. Aquela dúvida antiga cor da meninice, ali estancada em sua mente: Onde nasce o sol e a lua? Onde nasce o sol e a lua? Esta, a sua pergunta inquietante "ões" de vezes. Tudo já estava preparado para a grande viagem em troco da resposta dada: galinha assada com farofa ressuscitando o ex-tropeiro e animais selados para a batalha. Fortunato decidiu primeiramente descobrir o nascedouro do sol, tendo em vista sua pontualidade diária frente à lua. Em seguida, o presépio da lua. Foram longas viagens sem sucesso algum, deixando-o cada vez mais obcecado pela procura. Apeava em uma montanha, olhava atrás dela e o sol nascia na outra montanha. Cavalgava para outra....o sol nascia na outra.... Sua família se preocupou com aquilo. Não duvidaram que o velho Fortuna batera a caçoleta. Os membros se reuniram e decidiram o ultimato: Interná-lo em um hospício no Rio de Janeiro! Coisas daquele tempo. Traçaram seu destino. Agora, vestido com um macacão botafoguense, Carlitos! Naquela barafunda o apelido pegou, pois não duvidavam do dito cujo; mesmo os menos loucos que em pleno sábado de aleluia se fantasiavam de santos. Comentava todos os dias: ainda vou descobrir onde nasce o sol e a lua! Imediatamente todos o apoiaram na façanha. Uns sem dentes, outros sem roupas, alguns sem unhas, mas todos sem juízo se dispuseram a ajudá-lo, custasse o que custasse. Chegou o carnaval no Rio: fevereiro em fogo no samba da moçada, no rodopio dos morros fervendo sob pandeiros e tamborins. Mulatas esbanjando bundas às redondezas. O vigia do hospício delirou sambando vestido de Zorro, transtornado de Tonto, tamborilando um jogo de chaves de forma eficiente a fazê-lo cair em mãos tresloucadas. Os loucos ganharam as ruas e se vestiram com fantasias perdidas pelas calçadas, aos montões. O hospício deu alerta pelas rádios que só tocavam samba e não era possível encontrar loucos no meio de milhares de napoleões, césares, fantasmas, duendes, arlequins, etc. Carlitos vestido de Lã Peão, com uma louca feia vestida de Maria Bestânia, após um fatigado dia carnavalesco, deitou-se nas areias da Praia de Copacabana. Quando o dia se ilumina, lá vem o sol de dentro do mar! O velho sorriu satisfeito. Resolveu passar mais um dia de carnaval com sua companheira naquela maravilhosa praia. A tarde veio caindo. Olhando em direção à praia, viu a bela lua cheia saindo de dentro do mar. No dia seguinte, conseguiu uma carona em um caminhão e voltou completamente curado para a sua terra natal. O enigma de sua curiosa esfinge estava descoberto. A família percebeu que ele não tinha mais a doença mental. Carlitos ficava sorrindo de feliz. Quando alguém lhe perguntava, "onde nasce o sol e a lua?", ele respondia calmamente: "seu moço, os dois nascem nas águas do mar da Praia de Copacabana!" Como nos velhos tempos infantis, vamos procurar a moral desta estória? Sim, o que as pessoas precisam é de um argumento que os consiga interpretar a realidade à altura de sua ingenuidade.
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