A cura da dor

O Rabino Youssef sempre estava envolvido com aquela papelada sua em seu escritório, porém não podemos negar sua esmerada organização com todas as pastas perfiladas nas estantes; mas uma coisa é certa, poderia estar cheio de problemas até no kipá, mas não deixava de atender a qualquer um em busca de um conselho ou orientação; talvez seja esta a sua maior missão a de ajudar a qualquer um sem pedir nada em troca e suas palavras realmente possuíam um poder de transformação permanente.
A secretária mal acabara de atender ao telefone quando a campainha tocou e correu para atender a chamada na porta e apresentou-se uma senhorita muito agitada e nervosa, ávida para falar com o Rabino, inclusive demonstrava sua inquietude pelas mãos se agitando e balançando muito, os cabelos um pouco despenteados, a bolsa semi aberta, nossa! A secretária já estava se tornando uma observadora precisa como o Rabino!
“Bom dia!” “Bom dia senhorita, sente-se! Fique à vontade, Youssef às suas ordens!” “Quem não sabe quem é o senhor?” “Não sei minha filha! Será que alguém sabe de alguma coisa?” “O senhor sabe sim Rabino!” “Será? E você sabe de alguma coisa?” “Rabino, eu não sei nem para onde o vento está soprando! Estou com tantos problemas e não sei nem como faço para me situar! Já fiz todas as terapias imaginadas, já me consultei com todos os analistas possíveis, estou perdida!”
“Vamos lá minha filha, passo a passo. Você me disse não saber nem para onde o vento sopra, mas sabe que o vento sopra não é? Portanto já tem um ponto de partida! Se sabe disto sabe que as plantas florescem, os rios correm, as estrelas brilham, o sol resplandece, portanto o mundo não para, a vida continua e a vida quer mais vida e mais vida! Você não vê o vento, mas o sente, o escuta! Então, por que ir a todas as análises, a todos os terapeutas, sem antes escutar a si mesma? Escute aos seus queixumes, dê-lhes tempo para falar, para dialogar com você, até exaurirem! Ouça todas estas vozes confusas dentro de você mesma, seja ouvido de si mesma, ouvido que ouve por dentro também e não somente por fora! Ouça com tranqüilidade, dialogue em harmonia com toda esta problemática interna, antes que quaisquer outros ouvidos estanhos a ouçam!” Tomando-a pelas mãos o Rabino levou-a a uma sala vazia ao lado, onde não havia nada além de uma cadeira, as paredes pintadas de um verde claro, enquanto uma música muito tranqüilizante pairava no ambiente, “sente-se aí e ouça por dentro de você, depois você conversa comigo! Quando você sentir vontade venha conversar comigo!”
Em torno de uma hora depois, a senhorita voltou sorridente, “Rabino, que interessante! Fiquei ali concentrada em ouvir-me, quando ouvi lá dentro de mim a voz de uma vizinha gritando comigo quando eu era menininha ainda, ela me dizia aos berros que eu era estabanada e complicada! Mas eu não era assim não Rabino! Vi na cena que foi a filhinha dela, minha colega quem tinha desarrumado tudo no quarto onde a gente brincava! Sabe que sinto mais leve!”
“Pois é isto aí minha filha! Você sabe que o vento sopra! Você sabe que o vento soprou! Durante nossa existência nós vamos acumulando tudo aquilo que as pessoas nos dizem, nos acusam! Nós não temos tempo para sermos nós mesmos! Mal nascemos e vem um dizer: é o nariz do titio! Olhe a orelhinha da vovó! Depois vai crescendo ouvindo todas estas vozes: é brincalhão igual fulano, é apressado igual sicrana ou mais do que tudo isto, o mundo nos traz todas as receitas e bulas prontas acerca de tudo e quando é que nós vamos ser acerca de nós mesmos? Quando? Quando nos sentarmos e nos ouvirmos! Quando ouvirmos todas as vozes internas do mundo externo que ficaram enraizadas dentro de nós, até que elas se cansem e se vão! Até que um dia possamos ouvir a nós mesmos! E neste dia minha filha, um sorriso do tamanho do mundo é pouco em nosso rosto!”
E foi com este sorriso que aquela senhorita saiu do escritório do Rabino Youssef!