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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A Inconfidência das Cores

Enoque acordou naquela manhã de quarta- feira de cinzas, muito precipitado, pois apesar da meia escuridão do quarto, percebeu ser muito tarde. Estranhou o quarto mais escuro como antes e lá fora o dia não demonstrava claridade. O relógio marcava dez horas da manhã. O seu mostrador ficou cinza e os ponteiros bem mais escuros em comparação com a tonalidade anterior.
Para sua surpresa o quarto não refletia azul. O guarda-roupa de jacarandá também perdera sua coloração inicial. Todas as suas roupas comportavam-se em única cor. A cortina da janela, anteriormente lilás, agora balançava com a cor do céu. Mas este não poderia ser mais chamado de azul. O piso do quarto, em granito ornamentado mudara sua cor para a mesma da cadeira e da mesinha no canto. O vento soprava cinza.
A sua pele também mudara e ao abrir a gaveta da mesinha para apanhar seus óculos, percebeu estar da mesma cor deles e da mesinha. Aquele rapaz louro tão amado de Monique fora substituído por outro.
Monique, onde está Monique? Tateia pela meia escuridão para encontrar seu retrato. Não é mais Monique! É Moniquelisa numa única coloração!
Ao lembrar-se dela, não consegue encontrar o perfume de um amor colorido. É da mesma tonalidade do guarda-roupa.
Com dificuldade consegue dirigir-se ao banheiro. O corredor está numa penumbra. O banheiro mergulhado numa bruma. A torneira não é mais de metal, nem o vaso, nem a válvula do mesmo. 
A pia do banheiro se confunde com a cor da água da torneira aberta. Tenta olhar seu rosto no espelho, mas não é possível, pois este perdeu completamente o brilho.
A pasta de dente só pode ser identificada por ser da forma de um pequeno tubo. A pasta, o tubo, a escova e os dentes estão praticamente todos da mesma cor!
O mais duro de tudo era encarar a água com aquela aparência. A água é um símbolo poderoso da vida e esta não poderia transformar-se nisto. Naquele exato momento onde ouviu o choro de uma criança, não exalava com o som a mesma cor de antes.
O choro refletia a cor da água! Então resolveu olhar através da janela do banheiro. Do outro lado, um prédio anteriormente pintado de branco, não se apresentava mais assim.
Tanto olhar para trás onde se encontrava aquele prédio além da janela, quanto olhar para frente, onde se localizava o antigo espelho, pouca diferença restava.
Sua visão à medida da observação mais apurada foi se adaptando ao ambiente totalmente reformado.
Com dificuldade atravessou a sala uniformizada e sua maior preocupação foi dirigir-se à estante. Com muita dificuldade localizou-a. Ansiosamente apanhou um livro qualquer. Abriu-o. Para sua felicidade, as letras eram mais escuras em comparação ao papel. 
Mas as ilustrações das páginas bailavam da mesma cor das letras. Há mais de uma hora acordado, possibilitou-lhe habituar e ficar um pouco à vontade naquela nova situação.
Com bastante sacrifício conseguiu fazer o café. Comparado à água e ao açúcar, brilhava um pouco mais escuro. O pão continuava integral, mas dentro da geladeira tudo se resumira praticamente na mesma cor. Inclusive a geladeira perdera sua cor.
Voltou à sala. As cortinas da janela estavam agora da mesma cor das cortinas do quarto. Lá fora no estacionamento todos os carros só poderiam ser distinguidos pelo design ou outros dados de suas formas.
Alguns vultos andavam pelas calçadas. Todos da mesmíssima cor num mundo planificado.
Levantou os olhos para procurar o sol. Não era mais aquela estrela radiante do dia anterior.
Transformara-se num disco prata, mas de uma cor muitíssimo forte e radiante, porém com raios de prata.
Agora seus olhos estavam mais bem habituados ao novo ambiente. O mundo estava todo em preto e branco.
Foi uma opção da própria humanidade. Rejeitou a suntuosidade da natureza. Devastou, poluiu e transformou em cimento tudo ao seu redor.
Num único relance predominava o cinza. As cores, inteligentemente, esperaram a quarta-feira de cinzas e apanhando todos de surpresa, fugiram deste mundo. Tomem cinzas! Gritaram todas em uníssono!

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