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domingo, 20 de janeiro de 2019

Conto da transformação


Seu Dondão morava em uma casa em tanto, como se dizia naquelas paragens e bebia todas até altas horas de todas, chegando aos finais de semana na segunda de manhã, ainda pelos primeiros arranhões de sol sobre seu telhado colonial; o velho bebia fundo mesmo de deixar qualquer barril com a tampa da boca aberta. Como aproximava o seu aniversário, sua patroa pretendeu fazer-lhe uma enorme surpresa, embora, verão no deslizar deste relato, ter sido em potência elevada a mil. Seu plano era realizar algo correlacionado com a inauguração de uma nova vida, conforme as instruções de seu Pastor, plano jamais abandonado, confirmado em madrugadas de joelhos no frio banheiro com a cabeça apoiada sobre o vaso e dando descargas de quando em vez para representar uma tempestade varrendo o passado de Dondão; mas vamos ao plano em si. Comprara um litro de gasolina para limpar todos os móveis da casa e todo o piso, orando “leva na velocidade máxima toda a bebedeira do Dondão”.
Colocou o litro sobre a mesa da cozinha, lembrando-se de voltar ao supermercado para comprar alguns panos de chão, esquecimento proveniente à pressa em realizar fantástica façanha. Só não contava com a loucura da contraditória empregada,” zarolha, saltimbanca,contorcionista de mágico, incrédula picuinha”, entre outros adjetivos de suas diárias discussões, pois não só trocava o p pelo t e o ç pelo z, como também mudava de lugar coisas impossíveis, como colocar um par de sapatos entre os livros da estante e desta vez apanhou o litro de gasolina, colocando-o na geladeira, confundindo-o com alguma bebida.
Naquela segunda de manhã, Dondão chegou graças aos contínuos muros da rua bem agregados uns aos outros e contando além da sorte com a ajuda contínua de seus amigos de sempre e desta feita entrando desparafusado, meio de lado, meio envergado e inconsciente pelo meio; dando setas seqüenciais com o piscar do olho esquerdo, encaminhando diretamente para a geladeira, a fim de tomar sua última cerveja saideira, quando deparou com aquele líquido amarelado dentro do litro, bem instalado no canto da porta da geladeira, julgando ser um presente antecipado de seu amigo e compadre, tendo em vista a aproximação de seu aniversário.
Com uma única golada, aliás, era mestre nisto, entornou todo o líquido goela abaixo e soltou um berro escutado por toda a vizinhança, ainda em tempo de catar seus olhos à sua frente e encaixá-los nas órbitas oculares, saindo a mil ziguezagues, em plena rua, quando soltou uma comprida língua de fogo à beira de um fumólatra, correndo em sua direção ao seu socorro, enquanto alguém grita, “joga o cigarro fora, pois Seu Dondão está abastecido de gasosa”, pois era a empregada vindo ao seu encalço, enquanto uma beata exclama com a boca em forma de “shofar” “isto é o dragão do apocalypse soltando fogo!”.
O Pastor veio também em seu socorro, tentando espiar dentro da boca do seu Dondão para gritar em sálmica voz “sai demônio daí de dentro!”, e pelo bafo de alho com cebola, seu Dondão não agüentou e vomitou grande quantidade de gasolina misturada com a noitada de cachaça e todas as bebidas, enquanto o Pastor o conduzia com sabedoria para o hospital, percebendo como chegariam a tempo, sendo ao torcer sua orelha direita, ele acelerava os passos e agarrando em seu saco, ele freava, para não ser atropelado pela avenida; graças ao hospital na quadra seguinte por onde passou por uma lavagem total interna, escapando da morte, enquanto o médico se despedia dele horas depois, exclamando, “agradece ao Pastor! Você era para ter morrido!” Este fato abalou tanto ao Seu Dondão, transformando-o em um novo Pastor em pouco tempo, pois já conhecia as escrituras de capa a capa em seus trinta anos de casado com a “Irmã Graciosa”, após milhares de ensinamentos caseiros.
Mas todo o fanático merece uma atenção cuidadosa, pois ele é um habitante entre dois espaços muito próximos, em outras palavras ele mora na fronteira entre o céu e o precipício. Seu Dondão resolveu pregar para todos os seus ex-colegas de bar e neste dia colocou seu mais belo terno e tomou rumo naquela direção, chegando lá com sua pregaria, enquanto os caras não agüentavam mais de tanta falação e num ímpeto de desespero um deles apanhou a enorme bíblia das mãos de seu Dondão e deu-lhe uma biblada na cabeça, das folhas voarem pelas ruas, certamente além de um crime contra um homem, também um crime contra Deus, fato jamais consentido por qualquer um de nós, mas sendo o bastante para trocar o nome de nosso personagem, de seu Dondão, para seu Doidão. Para o resto de sua vida!

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