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domingo, 20 de janeiro de 2019

Noé pimenteira

Pimenta da brava, pimenta do cão, seja lá o nome que for, mas você poderia imaginar o que um punhado de pimenta comprado em uma verduraria, preparado em vidro com azeite e uma única, pequenina, aparentemente medíocre pimentinha, menor que uma vírgula, levaria um ser humano às alturas, aos berros, como se estivesse a lançar o coração na rua, a alma no outro lado do passeio, com os olhos esbugalhados como o último vampiro?
Olhe, Noé, bem nominado e batizado de acordo com esta façanha, por mais um pouco se via naufragado em soluções e vômitos após ter comido esta já falei presumidamente pimentinha de não se dar conta sobre a mesa, cuja toalha foi arrancada na hora da correria, não ficando nenhuma louça sobre a mesma, nenhum talher e olhe se as mesas falassem ou rissem, seriam gargalhadas de laminados pelo bairro afora.
Desta forma saiu nosso herói não avisando sobre o fim do mundo externo, mas sobre o caos do seu próprio mundo, já afogado em lágrimas, choros intermitentes, soluções, vômitos, tropeçando em si mesmo, coisa tal de ninguém entender do que se passava com aquele profeta de si mesmo, como uma barca cambaleante em direção à praça; grande serventia destes logradouros públicos, pois recebe todos com seus bancos e jardins, acomodando quaisquer moribundos, aposentados, loucos, oprimidos, desiludidos, desenganados, mas desta vez sendo anfitriã para um caso inédito, este que estou a lhe contar.
Com muito custo, Noé, desprovido neste momento da graça divina e do diálogo dos céus, sentou-se para quase desmaiar e bem ao lado de um senhor engravatado, com um terno impecável, óculos de aros grossos, sobrancelhas espessas, isto depois de exclamar, “nem o Diabo suporta uma coisa desta”, tremer, delirar, ao que o senhor educadamente lhe replica, “eu ainda não vi ninguém falar uma coisa destas!”, mas Noé desabafa, “é porque o senhor nunca viu uma pimentinha daquela!”, ao que o mesmo murmura, “você não sabe o que já vi!”; a conversa foi espichando e acalmando Noé, que lhe pergunta, “o que o senhor faz na vida?”, “na vida?”, estala os olhos sobre os grandes botões do seu terno sepulcral, “sou Juíz e aplico penas!”; diz Noé, “noooosssaaaa! Que pena!”, mas vem logo a resposta, “não tenha pena meu caro, pois nesta época nem as galinhas têm pena, já são vendidas desnudas! Quanto esta pimentinha sua, para mim é café pequeno”. “Ah! É? Então, vamos lá em casa, para ver o senhor encarar umazinha somente, moro aqui perto!”
“Pois bem, vou lá e como umazinha, duazinhas, trezinhas, e você pode chamar as vizinhas, mas é para ver, não me leve a mal! Vamos que vou lhe mostrar! Sou um Juiz severo e nada me amedronta, seu molode!”
“Molode? O senhor está me ofendendo, então vamos prá já!”
Chegando, Noé se apressa para ver a coragem do homem, “não repare a casa por favor, porque saí como foguete, mas pode se sentar!” “Esta pimentinha aí, meu caro? Coloca sete delas naquele pedaço de bife, pois vou lhe mostrar que sou homem de muita façanha!”
Noé, não perdeu tempo, pela grandeza do seu próprio nome, pelo seu orgulho bíblico, deu-se a mãos à obra e o homem pôs-se a mastigar como uma betoneira no cio.
Em dado momento seus olhos começaram a sair faíscas e os botões do seu terno a voar, porém Noé se abaixou, pois um atingira-lhe a testa deixando-lhe um cheiro de cravo de defunto, enquanto os cabelos do auto dito Juiz se esticavam como lanças, em lugar do terno ajeitou-se uma capa preta e vermelha, em lugar de sapatos, botas com pés de cabras, ao que o tal transformista urrou, “abra a janela urgente!”, Noé não perdeu tempo, coisa dos Noés, e o homem berrou, “adeus meu cara, deixa eu voltar que estão a saquear o inferno!”. E num vôo espetacular vazou a paisagem, deixando para trás um cheiro de azedo e enxofre.

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