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segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O destino da corte



A pintura pendurada na parede do salão congelava uma época amarelada em livros antigos, empoeirados em estantes de peroba nos meados do século XVIII. Um dos nobres segura com a mão direita o cabo de sua espada, um gesto sutil que ninguém esperava, a proteger o chakra esplênico.
Duas moças com seus longos vestidos de seda indagavam com o olhar onde estavam seus amores escondidos nas perpétuas sombras dos bastidores do palácio.
Quem olha a tênue figura da madame central percebe sem esforço algum sua peruca superposta como um arranjo de flores mortas e sua pálida fisionomia cansada de viver um papel e manter uma postura palaciana em nome de um status quo.
Apenas duas crianças estão à vontade sentadas no chão. São obedientes à custa de alguns tapões e puxões de orelhas, que o pintor não deixou escapar sobressaindo a um raio de luz por detrás da cortina. 
Este facho de luminosidade comporta-se como a extensão do caprichoso pincel, única pintura escondida no avesso da tela, trazendo o perfume das terras, do renascer das frutas e do encantamento dos pássaros que sempre estiveram ali, sem nunca terem sido percebidos.
Há uma porta nos fundos que foi a penúltima a ser fechada, conforme seus costumes de enterrar seus mortos nos fundos do castelo, onde existia uma montanha condecorada de cruzes.
Ali sim, os que se destroçavam, conspiravam e se traíam poderiam estar lado a lado, com as pedras esculpidas sobre seus túmulos, contando suas histórias em quatro linhas náufragas entre duas datas fatais.
Os ratos roem os restos que sobraram sem nenhuma piedade de todos os outonos embutidos nos móveis do salão.
As baratas rodopiam na sala de festas, bem apresentadas com suas asas envernizadas dançam a última valsa da chegada do fim.
De um solene chapéu de gala sobrou a linha do horizonte de suas abas. De uma colcha de cetim, via láctea de pérolas, derramaram-se as rendas pelos cantos à procura de outras prendas.
A porta de entrada faz uma longa viagem de ida e volta e como uma carpideira chora a chama da ausência que arde no silêncio das horas.
A solidão vaga por todos os cantos arrastando suas vestes sombrias com os sapatos da última camareira.Somente o vento, do qual todos reclamavam em suas festas noturnas, este que sanfona a porta da entrada, permanece o mesmo! O vento, aquele não presente na tela, impossível de ser pintado, que se expressa somente através dos objetos, sejam eles folhas derramadas no caos, continua ali, permanente como um intruso impedido de entrar, mas que espiava tudo por dentro pelas frestas das venezianas e sabia do momento certo de alçar voo para a sua liberdade. Os outros personagens estão presos na montanha assombrada.

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