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domingo, 20 de janeiro de 2019

O quinto evangelista

Sob o tintilar dos talheres no restaurante zero hora aconteceu um fato extraordinário, oriundo da declaração de um senhor de meia idade bem trajado no seu supersobretudo e relativamente sério atrás dos grossos aros de seus óculos sem lentes e estranho; frase solta, mas como arraia tosada na linha rondou sobre a névoa de nicotina do salão, “escreverei o quinto evangelho”; quando alguém muito tenso, trêmulo e quase deixando a taça vazia cair no chão, perguntou-lhe curiosamente o nome, ao qual o estranho senhor respondeu “São Segundo”, acrescentando não conforme o sistema cronológico dos relógios, mas de acordo com sistema supostológico, estudo este após levantar hipóteses, teses e tratados a respeito de quem realmente foi cada um dos evangelistas, levando em conta cada evangelho escrito segundo alguém ouvindo de alguém conheceu alguém, provavelmente chamado de Mateus, Marcos, Lucas ou João dos quais não há nenhuma comprovação quem tenham sido; assim ele escreveria como de direito seu o quinto evangelho, sendo ele mesmo por si próprio segundo a si mesmo, donde derivara seu nome São Segundo! Se a quem mexe com fogo no centro do braseiro, já diz o dito popular não ser benéfico o resultado, imaginem onde chegaremos na sequencia deste fato.
O interlocutor agitando-se continuadamente para despachar seu mal de Parkinson, desviando o olhar para os quatro cantos, ou melhor, agora para os quinto cantos, modo adquirido de uma mania de perseguição do qual se saca a possibilidade de conhecer informações seríssimas a respeito do sagrado e do vaticano; coisa com a qual se envolvera desde a juventude, invólucro de assuntos não triviais, abaixou-se o suficiente para balbuciar no ouvido do senhor evangelista, “conheço pessoalmente os quatro evangelistas, sendo Mateus um anjo de arte, Marcos um leão, Lucas um touro e João uma águia, assim como a mística histórica os condecorou, pois eles estão entre nós, embora ninguém os perceba face a face; posso apresentá-los, pois seria de urgente consideração uma instalação de um conventículo com o fim de lhe outorgarem uma iniciação à altura, assim como o título magno de quinto evangelista!”
O senhor empalideceu e distraidamente limpou seus frios suores com a manga repleta de botões dourados do seu paletó, declarando-se muito agradecido por inédita oportunidade, mostrando-se avidamente interessado em encontrar-se com estes quatro viajantes do tempo, emergidos do passado inaugural do novo testamento; pois era supra necessário o aval dos quatro ases bíblicos, pois sendo ele por herança e direito milenar o quinto evangelista, só poderia ser mesmo pelas mãos do messias tal providência; isto não era uma coincidência, mas uma sincronia onde a envergadura das asas do tempo e do espaço abraçara-se naquele momento ali no salão!
Seu interlocutor percebera o nítido empalidecimento, transfigurando-o vampirescamente na cor do rosto, se não fosse o tamanho de um palmo do seu sorriso exalado sem motivo algum, apresentando-lhe todos os dentes sem nenhum canino ameaçador, teria abandonado o recinto cambaleando, uma forma inteligente de disfarce, para sobreviver quando se tem a cabeça a prêmio por um crime de lesa majestade; “poderemos no encontrar amanhã, neste mesmo horário, ali no jardim das oliveiras no pátio ao lado, entre hortas de mostarda, joio, trigo, amoreira, palmeira, cálamo e com uma rosa de sarom no centro! Ambiente silvestre evangélico, caindo como uma luva para o assunto a ser debatido; pois iremos fantasiados e já lhe disse as fantasias dos quatro evangelistas e gostaria de saber qual será a sua fantasia, para podermos nos preparar de antemão!”
“Pomba! Sim, irei vestido de pomba representando o espírito!”. Um encontro destes presume-se ser dos mais sérios possíveis. No mesmo horário encaminharam-se para o local sagrado já na décima segunda hora em ponto; assim, conforme relatado surgiu Mateus vestido de anjo da arte, roupa muito parecida com aquela usada nas coroações de Maria, Marcos travestido de leão de pelúcia, destes dançarinos nos circos para encantar as crianças, Lucas através de um terrível touro dos destroços recuperados de um boi pintadinho, enquanto nosso herói, o ambicioso quinto evangelista entrou saltitando com leveza e decência vestido da mais nobre pombinha, mas para quê? Foi quando entrou o evangelista João, ou seja, o nobre interlocutor, fantasiado de uma potente e devoradora águia investindo sobre a pomba em sua fúria de rapinagem. Esta tentando se desvencilhar dos grilhões da morte adentrou-se entre os três evangelistas, o leão, o touro e o anjo de arte e a confusão elevou-se aos céus de tanto coice, urro, dentada, bicada, pincelada com a mão direita e uma batuta de maestro com a esquerda do anjo da arte despejando pancadaria, enquanto a águia gritava “você está desobedecendo ao décimo primeiro mandamento ao fugir da rapinagem!”. Finalmente chegaram os guardas com as camisas de força, encapuzando-os da cabeça aos pés, para conter a confusão. O fantástico neste acontecimento fica para nós, mas não passa de um caso dos mais comuns no dia a dia de um hospício.

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