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sábado, 31 de agosto de 2019

Você 38

Incertos com certeza solenemente sabemos que não somos,
não nos esvaímos abobadamente como chuvas nas calhas,
pois não corremos e desaparecemos  enquanto passamos!
No mundo muitos querem rosas, outros desejam dálias!

Não vamos às praças somente jogar milhos aos pombos!
Enquanto uns devoram grãos, outros beliscam as falhas,
alguns saltitam, se tropeçam, atropelam-se aos tombos,
outros se abastecem sem sentido com poucas migalhas!

Seres realmente diferentes, oh! quando nos encontramos;
pois vamos buscar assiduamente aquilo de melhor em nós,
nossas correntezas são completas não se dispersam na foz!

Sabemos entre nós o que gostamos, daquilo naquilo certo,
em nós o arqueiro, o arco, o desdobrar sustenido, cada seta
encontra sempre o mesmo nível, centro do alvo mais perto!

Você 37

Existe ainda quem queira ofertar
depois do amor feito, o conforto!
A maioria saindo do leito no ar,
quando não se joga por morto!

Tem gente com delícia a galgar
cada carinho alisa a bom gosto,
mas outros bobos querem voar,
sem tirar do colchão seu rosto!

Alguém quer mesmo iluminar
seu bem? Acenda antes o pavio
para que saiba assim procurar

o sol mais posto do horizonte,
pois se para um lado corre o rio,
para o outro lado corre a ponte!


sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Inversão

Poxa, aquele reflexo no lago não parecia ser meu!
Teria morrido afogado com aquela cara de breu?
O reflexo no lago teria que ser eu!
Gente, como eu estava pálido, abatido, estático e vago!
Meu Deus, como eu estava triste, mudo e magro!
O reflexo no lago era realmente eu no meu outro lado!
Era o reflexo do meu lago interno!
Penso com meu umbigo, antes estas lágrimas esculpindo meu sofrimento, do que morrer abraçado com Cupido!
Não havia lago algum. Era meu olhar para dentro vasculhando meu álbum!

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Você 36

Venha amar, a noite agora é nossa!
Por favor, devagar, faça de conta,
assim entendendo, linda, eu possa,
dar-te aqui uma constelação pronta!

Venha, doce anjo do amor endossa
todo o cenário, na natureza monta
reino encantado! Ninguém destroça
querer desmedido não se afronta!

Cuidadosos vamos nos resguardar,
seremos calados, perplexos, entanto,
cada segundo único somos um par!

Diremos sigilosamente, venha vento,
venha, você nos sonda a cada canto,
não sopre aos outros nosso suspirar!

Você 35

Receba de minhas mãos a chave,
ela abrirá a porta do meu coração!
Ficando com a parte que me cabe,
o que lhe dei foi uma cópia então!

Basta girar devagar que ela abre,
não querendo lhe deixar na mão!
Mas um conselho, você não sabe,
a minha abre também teu coração!

Teremos a mesma senha portanto,
ninguém conhece o nosso segredo,
nem que o procure por todo pranto!

Quando te aperto contra meu peito,
nosso fogo queimando toda a lenha
crepita: "só nós dois temos o jeito"!

Você 34

São mensagens crepusculares que vem,
alaridam airosas, válvulas de combustão,
notáveis no seu movimento belo também,
banham as minhas mensagens em difusão!

Levam sonhos corpusculares deste alguém
a você que é um barco à meia luz da intuição,
resgate feliz, já não sou náufrago, meu bem,
navegando sobre teu dorso, grato à recepção!

Menina, no vai e vem gostoso deste ir e vir,
me diluo completamente alegre nesta dança,
enquanto me sinto consoante com teu sentir!

Ia perambulando pelo mundo, perto do fim,
porém, enquanto nesta nave a gente balança,
o destino nos lança juntos em um trampolim!

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Você 33


Amor, se por acaso marcar pelo zap zap a hora
daquele fatídico, esperado e pontual encontro,
permita-me,  venha para ficar, não vá embora,
pois,  com um buquê, te esperarei meio tonto!

Levarei no bolso aquele poema que tanto adora,
neste sentimento que me bate e me confronto,
colherei pelo jardim  os frutos com que  decora
estes versos! Nosso lugar chamar-se-á  ecoponto!

Se por acaso vier com vestido longo e decotado,
não sabe querida como  este seu decote me incita,
neste conjunto que me embriaga como apaixonado!

Não deixarei que perceba a inquietude quando agita
o toc toc inesquecível, som maravilhoso do salto alto,
onde todo o imaginário se traduz em um gostoso fato!

Você 32


Eu gostaria de adentrar-me nas poéticas venezianas
entre os inesquecíveis cílios reluzentes do teu olhar;
quem sabe acordaria cantando por todas as manhãs,
como um beija flor bailarino querendo beijar o mar!

Teus olhos inquietos, femininos, permanentes romãs
no seu mundo interior com sementes a multiplicar;
nele só posso viajar calçando sandálias franciscanas,
sendo o mais sensível em cada canto onde caminhar!

Toda vez que te vejo, como um peregrino acompanho
as paisagens de luzes que estão no teu corpo a dourar,
sendo que nestas luminárias também posso me banhar!

Sabe, foi muito estranho quando te vi pela primeira vez,
meus pés me tremiam, meu corpo viu-se perdido no ar,
jamais quero escapar-me do banho colorido da tua tez!

domingo, 25 de agosto de 2019

Você 31


Você nasceu em um ancoradouro,
neste momento, nesta linda data,
onde o sol vem banhando de ouro,
enquanto a lua derrama luz de prata!

Sensual como a mais felina, uma gata,
doce menina veio a este logradouro,
tens uma formosura, sensível, sensata,
guardando o segredo de um tesouro.

Seja a estrela luzindo toda a felicidade,
brilhando, refletindo, pela vida inteira,
raio de luz, pedra preciosa da claridade!

Seja sempre sorrindo, calma, tão meiga,
juventude nas formas, olhando, reluzindo
com esta leveza, tua alma vestida de seda!


Poema para Florbela Espanca

Amor como adaga a me transpassar 
o meu distante sentir por dentro; 
sabre de ouro a me espancar tal 
qual a flor mais bela jorra o perfume 
da taça de cristal de suas pétalas 
a fecundar o orvalho madrigal. 
Ah! Florbela Espanca a me visitar 
no meu profundo delírio outonal, 
um doce espancar sem dor e sem tédio, 
pois o estilhaçar do amor é um bater 
com plumas leves nos cílios que amparam 
os polens a jorrar como contas gotas pingadas. 
Caem estrelas cadentes, farto remédio, 
enquanto de amar na alma se morre, 
silente se remedia o regato do 
pranto ao dispor a veste de seda luzente, 
a desfigurar o rubor do rosto dedilhado por pálpebras 
de cais em lágrimas, como um soluçar de Florbela Espanca 
em notas musicais de partitura solene, 
no meu pensar amanhecido e ensolarado 
pelo lembrar vivido de seu dourado canto.

sábado, 24 de agosto de 2019

Você 30

Quando mergulho no tempo lembro nossos momentos,
desde os milhares de anos do dia em que eu te conheci,
saio à rua como um menino a correr atrás dos ventos,
pois abraçado a esta busca, quero saber notícias de ti!

Quem sabe esteja dormindo, voam meus pensamentos,
como notas musicais saltitando numa pauta toda em si,
somente a mais alta das notas apreende meus intentos,
ressurgindo em hipérboles, a primeira vez que eu te vi!

Como poderei decifrar, ou o que poderia haver então,
entre dois seres, esta vontade de fogo de se ver, tocar
o corpo, a alma, com a potência ígnea de um vulcão?

Mister seria então não querer explicar o indecifrado,
continuamos nesta existência este delírio desenfreado,
ainda somos aquele Big Bang em constante explosão!




Você 29


Se você se apronta, amor, eu já estou pronto,
enquanto você vem renovada, tão diferente!
Ao te ver vestida, sou completamente tonto,
mesmo nesta enésima vez, surpreendente!

Marcamos às vinte, às seis já estou contente,
a pressa não me deixa ver a hora em ponto.
Meu sangue borbulha na veia efervescente,
a nossa estória vai mais além de um conto!

Você chegaria também como este vendaval?
Se vamos nos encontrar vou-me em correria,
“sendo afobado assim, é louco!”, alguém diria!

Amor o que vivemos não é nenhuma loucura,
o que acontece conosco é coisa sobrenatural,
nos amamos desta forma, nesta real pró-cura!

Poemáximo

No dia em que aparentemente tudo passar 
e alguém pensar que não sobrou nada de mim, 
encontrará um epitáfio assim:
Aqui não jaz um poeta, porque 
a poesia dele nunca terá fim!
Só tem princípio e começo! 
Vá procurá-lo em outro endereço!

Coisa de português II

Com o passar do tempo Mané português foi se aculturando aos nossos costumes. Perguntando a um apressadinho na rua qual o melhor lanche brasileiro, a resposta foi rápida, "cachorro quente!" Então ele se dirigiu a uma lanchonete para pedir o lanche que não conhecia e afoito gritou, "senhorita, eu quero um cachorro quente!" A moça imediatamente o atendeu. Quando ele viu aquele pão recheado, abriu-o devagarinho e topou logo com aquela salsicha vermelhinha que ele não conheceu e ficou bastante desconfiado dela, chamando a garçonete apressadamente, "moça, eu sou novato no Brasil e quero começar devagar. Teria uma outra partezinha do cachorro para colocar em meu pão?" A moça não se deu por vencida e trouxe um outro pão com carne moída dentro e perguntou-lhe, "Ketchup?"  O portuga sorridente despachou, "querer eu quero demais minha querida, mas vamos marcar em outro lugar, pois aqui o movimento de gente é muito grande!"

Coisa de português I

Mané português chegara recentemente ao Brasil. Viera para cá carregando dois motivos: ser espião e ensinar a língua portuguesa como uma segunda língua aos brasileiros. Fizera por correspondência um curso de espionagem. Chegou bem disfarçado. Terno preto, óculos escuros, camisa branca, gravata preta, calça preta, botas pretas, uma valise preta. No centro do Rio de Janeiro, esperando um táxi, retirou um cachimbo, amassou o fumo vagarosamente, tirou um fósforo do bolso do paletó e riscou-o no salto da bota sob olhares atônitos dos transeuntes, soltando baforadas a torto e a direito como um touro machucado na arena.
Fez sinal e o motorista parou. Sentou-se e ficou olhando para o motorista que lhe perguntou como sempre o faz, "para onde o senhor vai?" Mané português encarou-o com um olhar aquilino e respondeu, "por acaso um espião diz onde vai?"

E agora Olavo?

Olavo cansou dos malabarismos no semáforo. Múltiplo artista do faz de tudo. Jogou laranjas para cima debaixo do vermelho. Vermelho? Seu sonho socialista se desfez. Os homens querem mais natureza. Mais liberdade. Não desejam uma ideia pronta. Artificial nunca! Adaptou uma dose de liberdade no glamour capitalista. O comunismo desfaz da natureza humana. Por outro lado o capitalismo não controla suas regras! Andou de monociclo. Umas voltas em semicírculos diante dos faróis e a recolhida das moedas atiradas por muito poucos corajosos. Quem hoje em dia vai abaixar os vidros de seu carro para um desconhecido no sinal? Quem se arrisca a uma facho de calor invadindo-lhe a privacidade do ar condicionado? Sua última experiência foi como palhaço. Narigão, calça frouxa e suspensório. Uma pintura ridícula no rosto. Um chapéu tosco na cabeça. Alguns tombos fáceis de serem exibidos à luz. Seus ensaios, conseguira-os ao longo do ofício com outras atividades de entretenimento. Asfalto escorregadio, água vinda do lava-jato misturado com sabão e óleo. Lixos de papéis, plásticos, restos de alimento que a população dejeta sem consciência. O passo mágico do palhaço fora erguido e derrubado na luta do dia a dia. Mas não entrava dinheiro que alcançasse a segunda refeição diária. Muito esforço por nenhum retorno. Viver quase que exclusivamente à mercê da bondade infantil insistente com seus pais: Abre o vidro papai! Deixe eu cumprimentar o palhaço!Muito pouco por tantos tropeções na avenida principal. Olavo pensou em buscar a Deus. Foi num domingo à noite. A igreja repleta e o padre rezando sua santa missa cheia de mistérios e devoções. Com muito custo Olavo conseguiu um lugarzinho num longo banco. Vestindo seus trapos, com os cabelos despenteados, enquanto o sermão avançava por um deserto infinito, ele identificava-se com aquele líder de um povo fugitivo, sob as benesses de Deus e comendo o maná sagrado. Adormeceu profundamente caído sob o banco. A igreja com as portas fechadas não lhe dava medo algum. Sentia uma paz nunca percebida. Com certeza as pessoas se retiraram em paz. Numa hora destas é muito comum alguém ficar horas meditando. Chegou o momento em que ele caiu sob o banco. Uma senhora octogenária responsável pela porta principal, fechou-a em conjunto com o peso de sua idade. Olavo agora estava só. Não! Sentiu-se em casa e começou a vasculhar o interior do templo. Pelos vitrais coloridos anunciando a criação do mundo, ele viu uma nova oportunidade se erguer diante de sua solidão. Olhou minuciosamente cada santo. Captou tantos que cobriam a quaisquer milagres pendentes. Um nicho vazio entre duas santas com olhar azuis e piedosos, chamou-lhe a atenção. A madrugada avançava pouco a pouco. Pela sacristia descobriu uma porta por onde se alcançava o pomar. Mangas, abacates, laranjas foram sua refeição daquele dia acertada no alvorecer. Segunda feira amanhece com todas as suas inquietações. A cidade burburinha lá fora. Para ele isto pouco interessa. Ganha a escada ao fundo do templo onde alcança a torre do sino. Dali avista a metrópole. Um mundo totalmente à parte do outro. Escuta o barulho da mesma senhora abrindo a porta principal. Ela se dirige à sacristia, reza e vai embora. Ainda há gente boa neste mundo, pensa cabisbaixo. Com o tempo consegue se esquivar entre as colunas e bancos. Passa a morar ali, sem que ninguém o note. Agora come melhor. O pomar divisa com a cozinha do padre. Uma outra senhora vem com a comida todos os dias no almoço e na janta. Deixa-a sobre a mesa em tigelas de ágata. O padre come bem. Porém, há tanto alimento que dava para cobrir a fome de um bispo. Olavo come o suficiente e ainda sobra. Uma torneira esquecida num canto do pomar serve-lhe de banho. Um mictório masculino, com um vaso atende-lhe perfeitamente às suas necessidades pessoais. Quando vivia na rua, costumava usar um banheiro turco de um posto de gasolina. Fez isto durante anos. Agora estava no céu. No céu mesmo, rodeado de orações. De pessoas arrependidas, rezadeiras. De santos! Foi aí o lance. Aquele nicho vazio! Sim, ele durante anos exercera uma atividade na praça muito conhecida de todos. Foram vários os papéis. Múmia, general, cacique indígena, guerreiro samurai. Agora o de santo! Como todo o início, mesmo para os mais experientes, é difícil e deve ser feito passo a passo, transvestiu-se no meio da semana. Uma senhora piedosa aproximou-se. “Oh! Meu Santo Peregrino! Atenda meus pedidos! São dores por toda a parte, meu protetor. Da cabeça ao calcanhar!” Olavo apenas olhava calmamente. Fixava profundamente o semblante da velhinha com uma expressão de pesar. O boato do Santo Peregrino rolou quarteirões. “Ele parece estar vivo! É um santo de verdade, vocês tem que ver!” Olavo começou a gostar daquilo tudo. Principalmente pelas moedas que se multiplicavam no pires embaixo da coluna. Mas o negócio cresceu demais. Começou a vir gente o dia inteiro e alguns permaneciam até altas horas da noite. Arranjaram outra pessoa mais jovem para fechar a igreja. Estava ficando arriscado para ele. Comentava-se que o Santo sumia e aparecia em determinadas horas. Com certeza. Olavo necessitava comer, beber água, ir ao banheiro entre outras coisas mais. Foi baseando neste alvoroço da fé, que o padre resolveu marcar a missa do Santo Peregrino. Precisava arrecadar dinheiro para terminar suas obras e o momento não poderia ser outro. Olavo adorou a ideia. A frustação do artista agora seria transcendida. Alojou-se no seu nicho e deixou a missa rolar. O dinheiro jorrava quem nem água de cachoeira. Encheram um saco de notas de cem, agora vejam! As beatas felizes com o evento haviam preparado pratos deliciosos para o padre. Olavo encheu a pança! Comeu de arder os olhos e inchar as bochechas. Não deu outra coisa. A missa estava longe de terminar, quando a barriga começou a fazer uma reviravolta incontrolável. Olavo tentou segurar o que pode. Começou uma vertigem subir do ventre à face. Os ouvidos pareciam que iam explodir. Os olhos davam a impressão que iam saltar do rosto. Não dava para segurar mais um minuto. Gritou com todos os pulmões: “Esperem que eu volto!” Minha gente, vocês não imaginam no que deu. A correria foi desenfreada. Uma freira saiu cavalgando no dorso de um frade franciscano. Isto foi o de menos. Idosos que mal conseguiam andar, corriam como meninos no parque. O padre ganhou ruas como uma tocha de fogo de um cometa ambulante. No momento em que Olavo gritou, ele balançava o incensário. Ao correr com aquilo na mão, tocou fogo em sua batina . Fica por conta de vocês imaginarem a cena. Mesmo todo borrado, Olavo não perdeu tempo. Passou a mão no saco de cem e sumiu. Sentia-se justiçado. Foi o único papel que lhe deu uma renda magnífica e um público encantador. Conseguira comprar uma casinha na periferia. Como dono de um boteco, vende suas pingas com salgado e guarda os seus segredos.

O machudo do periquito encantado

O cabra era macho mesmo e bota macho nisto! Macho de frente, macho de lado e macho por trás! Delegado eterno do povoado e botava medo até em crocodilo com fome. O homem era grosso e muitas vezes mal educado, de pouca conversa e muita arma na cintura, mas a arma que ele mais se gabava mesmo era “aquilo”, vcs sabem muito bem o que significa “aquilo”, principalmente para quem só pensa “naquilo”. Também muito vaidoso, gostava de andar arrumado, conta-se que certo dia sentou-se na cadeira do barbeiro e diante da pergunta, “o que o senhor quer que eu faça?”, ele respondeu secamente “corte bem na frente e pica bacana atrás!”. Homem decidido aquele com seu andar pesado e seus bruscos movimentos de braços, tipo peão decidido a arrancar mandioca braba do fundo da terra com enxadão. Pois bem, seu maior orgulho era o seu “pingulim”, ou melhor, para quem gosta de um termo caprichado, o seu “pingulão”, do qual se dizia o maior touro reprodutor da região, orgulho besta este, mas o que devemos fazer se cabe a cada um a sua liberdade de viver. Portanto, homem endinheirado, enturcado no money, foi a um ourives de uma cidadezinha mais próspera de sua vila e mandou fazer uma pequena estátua forrada de ouro, baseada no aspecto do seu “negócio fálico”, vocês imaginam o que seja. Observando a característica da tal criatura pendurada como carta de enforcado no tarô, o artesão, (palavra esquisita esta), não perdeu tempo e por uma boa quantia de dinheiro em duas semanas findou sua empreitada, a qual o poderoso sherifão foi todo satisfeito buscar com uma jumenta esperta puxando aquilo tudo numa charrete, com uma cara de medo e preocupação. Colocou o bitelo bem no canto da sala, todo vaidoso e sorridente que mais parecia um burro novo comendo espiga viçosa. Acariciava o danado e o beijava centenas de vezes, forrando de prazer desta forma a segunda roupagem de sua dupla personalidade. Vinha gente de todo canto ver aquela criatura em feitio de estátua e inclusive duas solteironas que desmaiaram na sala e agradeceram a tudo que é de bom pelo seu anonimato casamentário. Mas ladrão, minha gente, é o que não falta! Na calada da noite, enquanto o durango esquife dormia, abriram a porta da sala e carregaram seu troféu fálico para a fúria desenfreado do sherifaço. Mandou colocar vigias em todas as estradas, inclusive nas cabeceiras da ponte que separava os dois povoados. Desta forma, os ladrões ficaram sem condições de carregar para fora dali aquela caríssima peça hedionda. Pensaram, pensaram, e como vocês sabem, ladrões sempre tem intuições inéditas, quando tiveram uma grande idéia. Colocaram aquele negócio que vocês já conhecem profundamente bem no fundo da consciência de vocês como era, dentro de um caixão e fingiram que estavam conduzindo um enterro. Da mesma forma que o vento costuma soprar contra o feiticeiro, nem sempre as coisas podem se dar muito bem, mas vamos ver o fechamento deste caso. Como estava havendo muito transporte ilegal de café de um estado para o outro, o delegado sherifálico recebera um telegrama para conferir a nota fiscal de todas as mercadorias que atravessassem a ponte. Assim, foi feito o procedimento e quando o caixão se aproximou da cabeceira da ponte, o machudo pintático solicitou a nota fiscal do caixão, sendo que eles não a possuíam, pois também era um caixão de segunda mão, ou melhor, roubado do primeiro morto, o delegado informou que o caixão ficaria preso na delegacia junto com o morto, até que eles apresentassem a nota fiscal, pensando assim, “vão correr atrás, porque é um caso sério de enterro”. Só que os ladrões caíram fora, chegou a noite, o outro dia, a tarde e o sherifálico desconfiou daquilo e mandou abrir o caixão, quando se deparou com o seu troféu deitado com cara de morto! O homem não agüentou e desabou “o que é do homem o bicho não come!” e coloquem imediatamente o meu “troféu em pé”! E aos gritos saiu pelo povoado “venham ver em pé no pedestal o meu piriquito encantado!”

Maria bem medida

Seja noite, seja dia. Caísse a tempestade abraçada à ventania. Voassem telhas cumbucas pelos capinzais, pela cercania. Maria toda perfumada enquanto João não percebia. Carregassem com elas os vitrais dos olhos das cotovias. Levassem com elas as pétalas dos vestidos de fada da rosaria. Num canto Maria tão triste. Noutro canto João não sentia o desencanto. Rezadas as missas de todos os domingos saltitadas nos fim de semana, vindas aos pingos; como manchas sinuosamente distribuídas no coro da suçuarana. Maria balançava suas tranças, João nem aí. Carpidados os terços com todas as contas desfiladas nos dedos, distribuídas nas tantas horas da tarde arredia. Delirava Maria, enquanto João nem percebia o que a cigarra anunciava do verão. Nas rodas de dança, não há discrepância que a sombra não sigila para a noite que se aproxima do terreiro e da varanda; dando um toque de magia para a lua da vez. Maria dançava, João se distancia. Nas festas da padroeira enquanto desfilava o andor, com a santa admirada, rodeada de flores esperando seu cantor, geralmente um devoto, um fiel seguidor, com todas as suas oferendas e seus milagres de volta. Maria ia, ficava João. Nas festas de São João, enquanto a fogueira alcançava com seus fachos de fogo perene, o alto da cumeeira e de lá se adentrava pelo céu da ribeira, explodindo embaixo batatas e risadas de crianças. Maria rodopiava, por onde anda João? Por sob a pinguela corria o riacho, um verde tapete de ramos e pérolas, com seu som de violino repetindo a paisagem. Maria sentada na velha madeira de passagem brincava com os pés tocando os lambaris. João nunca quis. Maria olhava as nuvens e nelas imaginava os condes, as bruxas, as donzelas fiando em castelos distantes, em teares de ouro seus mantos nupciais. Muitas delas representavam branca de neve e os sete anões. João olhava só para chão. Mesmo assim nunca viu um anão. Um dia Maria partiu na garupa de um cavalo. O cavaleiro sorriu. Que venham as tempestades, as missas dominicais, os terços das ave marias. Ave Maria! Que se avizinhem as festas costumeiras, pois à beira da natureza os dois encontraram magia. O mistério desmatemático do amor. Que faz dois ser um. Que faz um ser dois.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Um toque de surpresa

Foi algo tão de repente, quase não dá para explicar. 
O sol descendo no poente ficou de mãos dadas ao luar
 em seu momento de aurora. 
Mas tudo isto foi um beijo, suspenso no ar e travesso! 
Suspiro de prazer atravessado, tremor por todo o corpo afora; 
eterno momento sem fim e começo. 
Estalido de som sendo dado, ficou para sempre 
guardado na alma virada ao avesso. 
João ficou tão vibrado que Maria mudou de endereço!

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Você 28

Era um solar de crisálidas no alto das alamedas,
corredores me conduziam à beira da varanda,
pétalas por mim esvoaçavam jorrando sedas,
pelo tablado, seu andar ensaiava uma ciranda!

Somos criaturas antigas como textos nos Vedas,
vivemos outras eras desde o tempo da Atlântida!
Sempre juntos em dois seres, efígies das moedas,
nos unimos em carinhos, escultura mais cândida!

Vivemos tantos momentos neste distante casarão,
como duas asas ao voar levam juntas eternamente,
o que cada um mais gosta, dando-lhe toda atenção!

Mergulhamos um no outro  sob a luz do lampião
iluminando a meia sombra a penumbra ausente,
nos tornávamos inteiros neste querer permanente!

Você 27

Vou à caixa de Pandora buscar a palavra de candura,
para te ofertar sorrindo quando nos encontrarmos.
Segurarei tuas mãos para guiar-te pela noite escura,
conduzi-la por outros mundo, enquanto nos amarmos!

Encontrar o segredo da poesia mais singela e pura,
cada beijo que vivermos, cada caso que contarmos!
Vou envolve-la totalmente, vou apertar tua cintura,
não importa onde formos viajando, onde passarmos!

Te acariciarei como um pluma em sua plena leveza,
os cantinhos do teu corpo, desde os mais rebuscados,
desenhando com meus dedos movimentos bordados!

Imaginarei neste instante que somos duas estrelinhas,
mas ao olhar em teus olhos verei com toda certeza,
as meninas dos teus olhos a brincar com as minhas!

Você 26

No dourado céu as nuvens evaporam figuras,
uma após outra, cada uma diferente ao tecê-la!
Querem dizer-me "você não tem a quem procura!"
Mesmo distante, imaginando a posso concebê-la!

Formas que se esfumaçam e depois se desfazem!
Vão-se todas aquelas imagens, também seus rostos!
Aqui, embora esteja sozinho, não estou à margem,
tenho em ti para sempre amados, meus olhos postos!

Confidenciam todas as nuvens pensando me enganar,
com suas formas vulneráveis, uma por uma ausente,
como uma árvore amadurecendo e caindo frutos!

Escutem nuvens, sou diplomado em saber esperar!
Quando quero, fabrico escondido estrelas cadentes,
quanto a ela, sou minuto contando todos os minutos!

Você 25

Não, não sejas mais linda, não sejas mais bela!
Mesmo que todos os oráculos já pronunciem,
com suas gargantas vibrando sons de entretela,
que tu és entre todas a mais bela, assim dizem!

A tudo se dá tempo, dê tempo também à beleza!
Me encantes somente a palmo em certa medida,
meu barco atravessa o oceano com tanta leveza,
lembre-se, meu mastro está preso em tua vida!

Prisioneiro de tua beleza, sou a agulha do tear,
porém, não sou eu quem gira a mó deste moinho,
não sou eu quem inclina o levante até ao poente!

Portanto, esconda tua beleza, venha bem devagar,
meu coração se inclina pacientemente em teu ninho,
seja-me uma gota do teu olhar, teu sorriso somente!


Você 24

Você não me avisou dos segredos da sincronia,
nem a despeito dos envios das setas de Cupido,
as pálpebras dos livros em páginas na livraria,
abriram-se em novos poemas, em novo sentido!

Colhi teu sorriso como um polem na ourivesaria,
para escrever com letras de esmeraldas cristalinas,
renascendo rendeiro, romântico no reino da poesia,
viajando pelo universo de mil léguas submarinas!

Transmutei-me violáceo correndo em uma pradaria,
desapareceram das paredes a solidez e os vitrais,
em minha garganta a surpresa me prendeu o grito!

Eu sempre te quis, sem conhecê-la, mas esperaria,
este sentimento que não termina, se acaba jamais,
que não cabe no meu peito e se amolda no infinito!

Você 22

Tudo se almaça em movimentos girados,
surgindo ante teus seios pelas sombras,
margeando as paredes em todos os lados,
escondendo entre alcovas das alfombras!

A luz tosca balança louca os candelabros,
refletindo no espaço em cores as matizes,
rodopiando ondas em teus olhos fechados,
buscando nossas origens, resgatando raízes!

Sinto o frescor dos teus montes orvalhados,
um brinde na taça de vinho, neste encontro,
você pronta pelo semblante da madrugada!

Colhendo seus movimentos, vales encantados,
sou este peregrino caminhando sempre pronto,
a vagar meio tonto pelas curvas da tua estrada!

Você 21

Longas tardes minhas porque não passam?
Amorzinho, aflito, por enquanto te aguardo,
minutos em largos passos me embaraçam,
névoas, esperanças, tê-la em meus braços!

De quando em vez, ansioso espio lá fora,
ao sentir uma brisa com aroma perfumado,
enquanto flui entre meus dedos este agora,
abre-se meu peito, voa meu coração alado!

Quando a verei? Arrasta-me sob os arbustos,
abraça-me como musgos pelos meus braços,
deixa-me circular entre tuas ramas frondosas!

Flamboyants celestes se desfazem em vultos,
nos abismos destrançam estes próprios laços,
em espumas de rendas se desfazem as horas!

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Você 20

"Ser ou não ser", percebo, mirando a questão,
ouso indagando se cabe no espírito do amor,
vendo dois se amando, como poderá então,
estabelecer um axioma, ou seja lá o que for.

Ideias captam sentidos conforme a situação,
onde haja raciocínio, pura clareza racional.
No mundo sensível, pensar assim é em vão,
o sentimento está ligado ao mundo sideral.

Não será calculando em regra matemática.
Quando a gente em verdade ama pra valer,
tudo o que é explicável perde esta noção.

Deste jeito vos convido a pensar a temática,
"ser ou não ser"? Não! Somos "ser e não ser",
a junção, "e" de nós dois, eis nossa questão!

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Você 19

Sempre estarei aqui sozinho te esperando,
afinal sou tecelão, sou poeta, sou paciente,
pouco a pouco como estou me apaixonando,
vou tecendo um coração em minha mente!

Sei que outros são comuns, jamais viverão
este sentir tão junto, intenso, tão comovente,
abrindo entre nós uma lenda nesta propulsão,
nossa senha  secreta digita amar eternamente!

Quantas coisas também estaremos pensando,
mas no espaço de cada pensar, ali em cada vão,
neste lugar sensível está minha sala de espera!

Não importa seja agora, amanhã, até quando,
quieto me permaneço nesta contínua atenção,
como o girassol silente aguarda a primavera!

Você 18

Enquanto você sorri, veja, te preciso,
pois desta forma me beija, me ilumina
com a amplidão e força do teu sorriso,
vou caminhando pela vida, doce menina.

Sinto teu andar luzindo enquanto passa,
o movimento do teu corpo contornado,
sou a rua que te leva no colo e te abraça,
ao te abraçar, me transcendo iluminado!

Carinhos como passos de doçura e sabor,
espelhando onde vai seu andar cristalino,
são vales seculares de desejos profundos!

Percebendo você, meu ser encontra calor,
sou margens, levo teus passos, andarilho,
sou asas, voamos assim todos os mundos!

Você 17

Eu nunca vi uma coisa mais terna,
jamais vi uma coisa mais singela,
sonhei que você é aquela estrela,
a brilhar no meu céu em aquarela!

Por não ser uma estrela qualquer,
eu digo desta forma, "é aquela"!
Igualzinha a você linda mulher,
impossível haver outra tão bela!

Sonhei que cheguei de mansinho,
pisando como dançarino sob a lã,
bailando macio na ponta dos pés!

Amor, parece um sonho bobinho?
Veja a minha alegria nesta manhã,
vou sorrindo por ela no seu viés!

sábado, 17 de agosto de 2019

Você 16

Quando tudo está na mente
e também está no coração;
quando tudo que está por fora,
e também rola por dentro;
nada entre nós é passageiro,
nada entre nós é ilusão,
entre nós tudo é tão inteiro
que o céu se emenda ao chão!
Quando tudo não é de repente,
quando fica e nada vai embora,
o que vivemos está tão presente,
porque vivemos tudo aqui e agora!
O que fazer com este tudo então,
onde o espaço se torna transparente
enquanto cada mão toca a outra mão?
O que fazer com este tudo se somente
entre nós dois o enlace é luzente?
Entre nós dois é coração com coração.
Entre nós dois é mente com mente,
sincronia desta dança, deste som,
cada coração que ao palpitar contente,
percebe que nós dois sabemos o que é bom!

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Amor no guardanapo

Estava tão deslocado ao tomar
o seu café na padaria ao lado; 
após bem mastigado, 
engoliu o guardanapo! 
Tanta coisa nele escrita! 
Agora onde está o pavio
de sua fértil inspiração?
As curvas da mulher bonita!
Um poema como um rio levava
suspensa a canoa no
remo da imaginação!
Reescrevê-lo? Nunca mais!
Destroçou-se seu tesouro!
Era um caso passageiro.
Antes de chegar ao cais,
sem beijos no ancoradouro,
foi-se como o amor primeiro.
Poema de amor no guardanapo

Realidade

Há coisas que nos fazem cair fora de si... Dependendo do vulto vale demais sonhar. Dependendo da penumbra nem vale a pena acordar. Acordar m...